Amor duplo no futebol

Meu interesse por futebol começou cedo, tão cedo quanto o dilema de não desagradar meu pai, Atleticano, e o meu avô, Cruzeirense doente. No impasse, escolhi o "Brasil" para fugir de qualquer conflito.

Até o dia em que meu vizinho, o Judson, recomendou que eu acompanhasse os jogos do São Paulo Futebol Clube. Descobri, então, a arte do clube comandado pelo mestre Telê e foi paixão a primeira vista.

Em pouco tempo já sabia toda a escalação do time, troquei as revistas de "meninas" pelas coleções de revista Placar, as capas dos cadernos foram decoradas por fotos dos jogadores (sim, confesso que era bem brega a esse ponto) e a máquina de escrever operava a todo vapor fazendo cartas para o clube, que me respondia com autógrafos, adesivos e até mesmo ingressos que nunca consegui usar - São Paulo era longe demais pra gente naquela época.

O fanatismo ficava maior a medida em que o time ganhava os títulos. Sim, eu sou pé quente. Torci e vibrei com a primeira conquista da América e do Mundo, repetindo a façanha no ano seguinte.

Eu aguardava com grande ansiedade a cada jogo do tricolor aqui em Minas e deixava o meu pai e o meu avô loucos até me levarem ao campo.

E quando não tinha tricolor em Minas, acompanhava o meu avô nos jogos do Cruzeiro, afinal na época as torcidas ainda eram unidas e eu podia desfilar tranquilamente com a camisa do SPFC. Achava o máximo, me sentia bem em estar no campo.

Tudo seguia na mais perfeita ordem até o dia em que eu e meu pai fomos ao jogo Atlético e São Paulo, no Mineirão. Sim, ficamos na torcida tricolor, mesmo o meu pai sendo atleticano - sacrifícios que só um pai faz por um filho. Porém, a hostilidade dos adversários era grande e podia ser medida pelo número de paus, pedras e cuspis que eram arremessados do portão que dividia as torcidas. Para piorar o meu time perdeu e fomos embora no ônibus da Galoucura.

Não foi culpa do meu pai, muito pelo contrário, ele tinha a melhor das intenções. Mas, nesse dia caiu por terra toda e qualquer simpatia que poderia ter pelo time dele. Cheguei em casa com uma única certeza: aquele lado não era o meu lugar, nunca iria torcer por aquele time.

Sabendo da situação, meu avó se apressou em deixar claro como o time dele era amistoso com o meu. Então veio a final do Mineiro, Cruzeiro e Villa, e eu lá, única menina do grupo do meu avô, no meio da multidão no Mineirão, vibrando com o primeiro título que estava vendo do meu novo time.

Bom, nem precisa dizer que eu continuei pé quente e logo depois de assumir ser torcedora celeste o Cruzeiro conquistou a sua segunda Libertadores! E veio o tetra da Copa do Brasil, Tríplice Coroa e o Tetra do Brasileiro.

E, sim, também fiquei doente e chata pelo Cruzeiro. Jogos no Mineirão, visitas à toca, acompanhar noticiários esportivos, virar sócio torcedor, brigar com Atleticanos - coisinhas básicas.

Mesmo assim meu pai continuou firme me acompanhando nos jogos do Cruzeiro. Ele e o meu avô se revezavam em me acompanhar. E foi assim por muitos anos até conseguirem passar o "bastão" para outra pessoa - o Marcelo... Rsrs... 

Por anos e anos então venho dividindo esse sentimento fanático entre esses dois times. São Paulo, minha primeira e inesquecível paixão, e o Cruzeiro, meu grande amor, time do coração, que acompanho mais de perto e que hoje representa um outro sentimento especial. Afinal,desde que meu avô nos deixou sinto que o time é uma das formas de me vincular às lembranças dele, dos momentos que compartilharmos juntos e que não podem ser vividos mais.

É por isso que quando São Paulo e Cruzeiro se confrontam o meu coração fica sempre partido. Alegria e tristeza se misturam. Difícil escolher para quem torcer. Na dúvida, melhorar empatar.

Mas, agora estou ainda mais dividida com o jogo entre os dois pela Libertadores. Tantos times na competição e logo os dois tinham que se enfrentar? Não será nada fácil, principalmente por saber que os dois times estão em momentos conturbados e seguir na competição seria um grande alento. 

Enfim, a única certeza que tenho é que vai ser um sofrimento duplo e dividido... Que vença o melhor e que meu coração duplamente fanático aguente!

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