A nossa Maria, a nossa eterna gratidão

A mítica tensão entre coração e cérebro, sentimento e razão, sentir e racionalizar, sempre nos prega peças. Entre saber o que é certo e racionalizar os sentimentos há um longo caminho de aprendizado.

Desde que a vovó Maria completou 90 anos a família ficou em alerta de que o tempo se adiantou e a qualquer hora ela poderia nos deixar. Pode ser o último aniversário. Pode ser o último Natal. Pode ser o último dia das mães. Pode ser a última oportunidade de estar com ela. Quantas vezes não pensamos nisso?

O tempo passou e ela superou a casa dos 100 com muita vitalidade e lucidez, o que encheu os nossos corações de otimismo.

A medida em que recaídas foram sendo superadas a esperança foi se sobrepondo ao medo de tal forma que, emocionalmente, nos deu a falsa esperança de que ela era invencível.

Por mais que a razão tentasse nos trazer à realidade, nos iludíamos com a possibilidade de quebrar a barreira do tempo e da finitude que poderia bater na porta a qualquer momento.

Então, eis que há uma semana do Natal os sinais que tanto temíamos começaram a aparecer.

E o tempo cruel, num duro golpe, nos mostrou que não há como lutar contra ele.

Assim, num dia lindo e ensolarado de verão, logo após o Natal, ele resolveu levá-la.

O céu estava tão azul e o sol tão brilhante que tivemos a certeza de que estava em festa para recebê-la.

Aqui na terra é que as coisas perderam um pouco do brilho. Difícil conceber a nova realidade da família sem a nossa grande matriarca. Sem a sua presença marcante que irradiava amor e bondade. Conflituoso racionalizar a dor que o coração teimava em sentir.

Mas, embora o peito esteja apertado e dolorido, e a saudade esteja corroendo a todos, seríamos ingratos se não buscássemos na razão e na fé uma forma de entender tudo o que tivemos a oportunidade de viver.

Fomos agraciados por Deus, por todos esses anos, com a doce presença da Dona Maria, mãe, avó, bisavó, triavó, tia, amiga, madrinha.

Estar com ela e conhecer a sua história era uma lição constante de superação e bravura diante dos percalços do destino.

A nossa Maria, assim como a mãe de Jesus, nos deu vida, nos acolheu, nos ensinou a ter fé, a perseverar e nos mostrou os verdadeiros valores de uma família.

Agora chegou a sua hora de descansar depois dessa longa jornada de 104 anos, vividos com muita dignidade, amor, coragem e sabedoria.

Sentiremos falta de suas histórias. De suas orações. De suas balinhas, as mais deliciosas que existem. De suas orquídeas e do jardim que era seu xodó. Do seu crochê que já algum tempo não conseguia mais fazer. Do seu colo aconchegante, que assim como o seu coração, sempre tinha espaço e carinho suficiente para mais um filho, um neto, um bisneto, um trineto, um amigo, um agregado. Do seu brilho nos olhos ao ver uma criança e de oferecer a ela um amor único e incondicional.

Resta-nos agora as queridas lembranças e o agradecimento pelos momentos inesquecíveis que ela nos proporcionou.

A Deus a nossa eterna gratidão por ter nos dado a oportunidade única de tê-la em nossas vidas por todos esses anos! Somos privilegiados!

Querida vozinha Maria, o nosso coração chora a sua falta, mas sabemos que o melhor aconteceu. Que a senhora esteja com Deus e merecidamente descanse em paz! Nós cuidaremos de suas crianças e honraremos a família que construiu com tanto amor!

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