AS METAS QUE DESCONSIDEREI EM MINHA VIDA

Um dia, em uma conversa despretenciosa e bem humorada, me disseram que as maiores alegrias de um ser humano eram: ter um filho, concluir a graduação e tirar carteira. Sorri, não discordei e, tão pouco, concordei. Mudei de assunto, mas, a idéia continuou a martelar em minha cabeça por dias e dias. Foi quando percebi que, se realmente essas eram as três maiores conquistas de um ser humano, existia um déficit em minha vida que, até então, eu não havia percebido. Já que das três opções só havia conquistado uma, a formatura.

Para reverter isso, no alto de meus 26 seis, quase 27 anos, iniciei uma contagem regressiva. Estabeleci a meta de conquistar as três glórias até os 30 anos, restando, então, apenas três anos para as batalhas. Um pouco assustada com um prazo tão apertado, iniciei a jornada com a atividade que considerei mais fácil e mais prática para o momento: conquistar a carteira de habilitação. Acreditei que, poupando um pouquinho e me esforçando um pouco mais, em seis meses teria cumprido a tarefa. No entanto, já que planejava ter um filho em menos de três anos, precisaria, então, correr com os estudos para não atrapalhar a minha carreira.

Foi iniciada então a corrida, literalmente, desenfreada pela carteira, pela pós-graduação e pelo curso de espanhol, sem deixar de lado o curso de inglês. A falta de foco deixou o processo mais traumático, exaustivo e complicado. Porém, como a meta para as "três maiores alegrias" era a carteira, o foco se volta para ela. Aulas e mais aulas de direção defensiva, meio ambiente e legislação e primeiros socorros... Socorro! Não imaginei que fosse tão intediante, burocrático e cansativo. Número mínimo de aulas, pagamentos, taxas, certificados. Pronto! Em um simples exame e a primeira constatação: não sou psicopata e tenho coordenação motora e reflexos suficientes para controlar uma máquina automobilística de grande poder mortífero. Ah! Mas, calma. Ainda não provei que decorei todas as aulas de legislação e que sei entender o que as plaquinhas me dizem. Pronto, novamente. Agora que não sou psicopata, tenho coordenação motora, bons reflexos e provei que não sou analfabeta, posso iniciar a brincadeira de dirigir.

Quando achei que o suplício estava terminando, veio então a sentença final. Depois de seis meses de espera, até o término das aulas de pós, dei início às fatídicas aulas de direção. Pânico! Como é difícil controlar essa máquina que exige marchas, controle de embreagem, setas, aceleração, desaceleração, curvas, direita, esquerda, cuidado com o pedestre, não está enxergando o buraco, marcha ré, baliza, como você é desatenta. E tudo isso ao som do pior breganejo da rádio Liberdade. Humilhação, vergonha, poluição sonora, burrice, mulher no volante perigo constante. A máxima nunca pareceu tão máxima assim. Pelo menos as aulas de direção me faziam pensar dessa forma. O volante tornou-se o meu próprio muro de lamentações, com um pequeno grande agravante, ele não tinha poderes para fazer com que as minhas preces chegassem mais rápido ao céu.

Todos os dias ao acordar as cinco horas da manhã e me preparar espiritualmente para receber todas as críticas, gritos e berros de meu instrutor fazia um pequeno mantra: como alguém em sã consciência pode pagar para escutar outra pessoa te xingar? Por que preciso aprender a controlar uma máquina que pode matar? Será que dirigir veículos é realmente uma coisa para mulher? E, finalmente, o mantra final que me fazia acordar e ir para a aula: Qualquer idiota consegue dirigir, por que eu, jornalista, pós-graduada, assessora de comunicação, casada, com uma família que me ama e amigos que me fazem feliz, linda e inteligente não conseguirei.

Foi nesta época que descobri o Segredo descrito no filme, livro, apresentações em power point e todos os artigos da Internet. Mas também descobri um outro segredo, que é muito mais importante para mim. Depois de duas tentativas frustradas, muito chá de camomila, tremedeira, pernas batendo, carro desgovernado e cara de desdém de examinadores, finalmente levei dois cartões amarelos (só os aprovados recebem o branco) e fui expulsa, ou seja, não consegui tirar a minha carteira de habilitação e a minha pauta foi encerrada no DETRAN.
Quase morri de depressão, pois me considerei o ser mais ignorante do planeta. Tive vergonha de falar sobre isso com os amigos, com os meus familiares e até mesmo com os meus pais. Patético e engraçado ao mesmo tempo. No entanto, depois de grande choradeira sem motivo e de uma bactéria nos olhos causada por disfunção hormonal provocada por estresse, superei o trauma de pilotar um carro e descobri que realmente sou um perigo constante quando estou no volante. Mas, também cheguei à conclusão de que poderia voltar a tentar quantas vezes achasse necessário até conquistar o meu objetivo, ou que, simplesmente, poderia decidir que não queria mais dirigir, e isso não me faria um ser inferior aos deuses do volante.

Afinal, tirar carteira deve ser muito bom, acredito que em breve sentirei essa sensação, mas nunca foi o meu sonho. Apenas transformei essa idéia em meta, baseada na percepção da realidade de uma pessoa. Porém, alegria maior na vida eu tenho todos os dias quando acordo e vejo que a cada amanhecer tenho uma nova oportunidade de mudar toda a minha vida, mas que eu não precisarei fazer isso, pois tenho o que mais preciso para ser feliz, que são o amor do meu marido e da minha família e a fé e a perseverança, que me fazem ir em busca dos meus sonhos e ideais.

Carpe Diem, agora este é o meu lema. Viver o dia, aproveitar as oportunidades e dar boas gargalhadas da vida, principalmente quando: trocar o pedal do acelerador pelo o freio, confundir direita-esquerda, arranhar o carro do marido no muro, fazer o pneu passear por cima do meio fio ou escutar alguém gritando "roda dura". Afinal, tudo vira festa quando descobrimos que a decisão sempre está em nossas mãos e a alegria está nos pequenos gestos. Sou "roda dura", e daí?
Texto postado inicialmente em: 01/04/2008

Bruna Moreira Faria

Comentários

Anônimo disse…
Hi Bruna,

It was really revealing reading your blog and I hope your experience regarding English be a lot more fufilling than trying to get your driver's licence.
I got my license when I was just 16 back in the US, but here in Brazil I had such a hard time gettig mine that I simply put it off for a while till I couldn't anymore.
I guess I had to go through that to learn something about myself, after all isn't it what life is all about?
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Congrats on your blog!
Belúcio Haibara